Dia dos Namorados

- Olá Mãe da Ema, sabes que hoje é dia dos "gugulhados"? - pergunta-me a miúda desdentada assim que entro no Infantário.

Coraçõezinhos por toda a parte. Árvores com frutos-coração. Rosa. Vermelho. Pequenos, médios, grandes. Nas paredes. A cairem do tecto, presos com fios invisíveis, bem a baterem-me na testa porque fico uma "cavalona" com as minhas botas de 10 cm e parece que todas as mães têm de ser pequeninas e atarracadas. Mais de 1,60 é demasiado. E lá levo eu com os corações perto do meu metro e oitenta.

- Sei querida! Já deste um beijinho na boca ao teu namorado? - Pergunto na brincadeira.

A educadora de lado para mim, olhar recriminador como quem diz "esta gaja é maluca!".

- Ó mãe, não diga isso à criança! (Tom maternal)

- Ó mãe da Ema! A professora não deixa os meninos darem beijinhos desses! E eu não gosto!

- Não? Então daqui a uns anos falamos outra vez! - Respondo já à beira da histeria, desmanchada em lágrimas de riso com o meu comentário idiota e totalmente despropositado.

Novo olhar da educadora. Desta vez entre o fulminante e o de quem até achou alguma graça à coisa.

À saida. Nova trolitada nos corações irritantes. "Merda prós balões e prás mães anãs!" penso. Rádio ligado. Músiquinha romântica. Ponho CD. Bem melhor.

Café na mão, a caminho da"sala de chuto" da empresa, novo susto! A entrada de um dos estúdios estava atulhada de balões. Vermelhos pois claro. Em forma de coração, óbvio!

Fumo o cigarrinho e quase que deito fumo plas orelhas quando vejo na tv uma velha vestida de cupido. Com setas e tudo!

Hoje é dia dos Namorados...e como todos os anos, estou à beira do vómito. Os ursinhos fofinhos, as rosas, a lingerie coquette ou "à la matadora" da efeméride, os chocolatinhos, os corações, tudo me encanita. A sério, é foleiro como tudo e, como é do senso comum, só serve para nos arrancar alguns trocos da bolsa já magra...

Mas eis que acedo à Internet e vejo a imagem que o Google colocou para celebrar a data. Fiquei a adorar o senhor que se lembrou desta ideia. Não há cá nhó-nhó-nhós, pirosadas e merdinhas. Tem um casal de velhinhos, de mãos dadas, caminhado juntos.

ORA AÍ ESTÁ!!! Este é o verdadeiro espírito do dia dos Namorados. Que não é o 14 de Fevereiro. Que são todos os dias até serem precisos muitos dedos das mãos para contarem a nossa idade. É a ternura que encontramos no olhar do outro sempre que o procuramos. Novos, adultos e depois caquéticos com os pés para a cova. Eternos namorados. É assim que vejo as coisas. É isto que quero para a minha vida. Um companheiro, namorado velhinho e desdentado que me dê os comprimidos para o reumático. A quem eu calçe as meias quando ele já não se puder baixar. Um namorado que me dê a mão pelos anos fora e que envelheça comigo. Que seja meu amigo e que converse muito quando já nada mais restar.

Este é o desejo que peço todos os anos. É pelo qual luto a cada virar de folha de calendário. Ser velhinha e ter o mesmo namorado de há 500 anos.

Ah...e continuar a dar-lhe beijinhos na boca e a recomendá-los aos netos e bisnetos mesmo que as educadoras não gostem!!!