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segunda-feira, 17 de março de 2008

O mal já passou!

"Vou entrar, não vou olhar para os lados, chego lá, dou-lhe um beijinho e saio logo. Não vou chorar porque agora sou eu quem tem de estar forte" jurava a mim mesma enquanto conduzia até ao IPO de Lisboa.

Passei diante daqueles muros tantas vezes e nunca me imaginei a cruzá-los. Abre-se a cancela. Porta principal. Placas a indicar o andar de todas as especialidades. Cancros a rodos, divididos por pisos, como uma grande loja onde tudo se vende.

Caminho a passos largos. Eco pelos corredores antigos, carregados de pesar, de olhos que permaneceram fiéis ao chão, que não se atraiçoaram como os meus. Os saltos no mármore. Aperto a mão do marido. Supostamente para lhe dar apoio quando era apenas eu a ganhar coragem.

Elevador pequeno. Claustofóbico. Apinhado de gente com o coração nas mãos. Sexto andar. Somos nós.

"Não é preciso dar o nome?" pergunto.
"Não, aqui é assim" responde o marido.

Eu não sei. É a primeira vez que aqui venho. Não fui eu quem passou o último meio ano à espera neste hospital. Não conheço as caras, os procedimentos, as horas intermináveis de diagnóstico. O silêncio e a cumplicidade mãe e filho trocam, através do olhar, à medida em que o veneno entra no corpo. Para matar o mau e o bom.

O mau foi tirado hoje.
"Perdeu a mama" disse-me de voz embargada ao telefone.

"Já sabes, entras, sorris, dizes um disparate, dás um beijinho e sais. Não choras!" relembrei-me mentalmente assim que entrei no quarto.
A janela com o sol a incandear quem chega. Os olhos que se viram para nós.
Cama à direita.
Um vulto que ganha forma deitado. Cabeça exposta sem peruca. Cabeça inchada. Amarelo-baça.
Fio no nariz. Verde. Mão no lugar onde antes havia um pedaço de carne que foi arrancado. Foi-se o mal. Foi-se o mal...

-"Vai para casa tomar conta da tua filha"
-"O desenho que ela lhe fez?"
-"Está em casa à minha espera"
-"Mas era para trazer! Esta parede precisa de cor!"
- "Trouxe o brinquedo dela. Dormi com ele"

Apertão no braço. Sinal de que é hora de sair. Tem que descansar. Eu acedo.
Faço o percurso de saída. Nem chego ao elevador para desabar. Em silêncio, engulo soluços e vomito lágrimas.

Ao que o corpo pode chegar! Como é que eu páro de chorar? Está tudo a olhar para mim!
E então nos olhos de quem me olha também existem lágrimas. E talvez os mesmos pensamentos. Por momentos não tive vergonha. Mas estava de mão dada à pessoa que mais precisa de mim. "És tu que tens de ser forte, lembras-te?" pensei.

"Abraça-me" pedi-lhe.
"Até logo". Olhar vazio. Desorientado.
"O mal já não existe!" digo.

"O mal já não existe! - O mal já não existe - O mal já não existe!" repito mentalmente a caminho de casa.

Se o pior já passou...porque me sinto tão triste?

5 comentários:

Lux Lisbon disse...

porque é inevitável..mas o mal já passou!
Compreendo-te..Esse é o pior sítio do mundo, onde eu nunca mais quero voltar!

supergato disse...

que Deus (seja ele quem for para cada um de nós) nos proteja e nos afaste de lugares frios... e tristes

IandU disse...

Porque nos custa lembrar o que passou, e o que se passa. Porque gostamos de alguém ao ponto de não querer que isso tivesse acontecido. Mas como dizes, temos que ser fortes **

Fractal SMOG disse...

o mal já passou, amiga.

Agora é preciso deixar espaço para que a dor e a tristeza também passem...

Grande beijinho!

Paula disse...

Também passei por isso, quando tinha 6 anos.
Era a minha mãe que estava deitada na cama, e se por um lado o mal tinha passado, a tristeza e o choque de a ver ali, com a mão onde um pedaço de carne também tinha sido arrancado, custaram muito a passar.
Ainda dói um bocadinho mas hoje, com 30, ainda a tenho cá.
O mal passou amiga. A dor e o sentimento de impotência e de injustiça, custa mais um tempo a passar.
Mas o pior já passou. Podes ter a certeza!
Bjs e muita força!