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quinta-feira, 6 de março de 2008

Como as palhas de um cesto


"Sempre que saio do Hospital, olho o mundo como se fosse a primeira vez." dizia ela, naquele jeito de sempre, mas num corpo marcado pela luta pela sobrevivência. Cara deformada. Chapéu na cabeça. Magra como nunca. O corpo, irreconhecível, apenas a aguentar-se graças à força e fé inabaláveis de quem se sabe capaz de sair vencedora da mais dura batalha da vida. Não é por acaso que sempre te descrevemos como uma força da natureza. "Tsunami" foi e É a alcunha perfeita.

Depois de meses sem a ver, ali estava eu sentada diante dela. Rodeada de olhares de comoção. Sentimento de pena por quem tem uma vida pela frente e não a pode viver. Acabada de casar. Atirada para uma cama de hospital. Clausura forçada. A vida lá fora. Em suspenso.

Ouvi relatos inimagináveis. Mas o desabafo "quando saio e vejo uma nuvem fico como uma parvinha. Olha uma nuvemmmmm!!!" não me saia da cabeça. Chocou-me mais do que as descrições dos catéteres que trazes debaixo da roupa. Das biópisias óseas, dos longos dias alimentados a quimioterapia.

As nuvens. As nuvens e tudo o que sentias falta, as coisas que estão diante dos olhos e que, por falta de tempo ou de vontade, nem apreciamos. Tornam-se paisagem. Lugar-comum. Esquecemos o valor que têm e as infinitas alegrias que nos dão gratuitamente. Se as olharmos.

Procurei no teu olhar o reflexo das tuas saudades. E foi nele que encontrei a forma de te levar o "Remédio para os dias difíceis". Juntei as meninas. As tuas meninas. As nossas meninas. Somos todas umas das outras. Para o bem e para o mal. Como num casamento. Como os deveres morais que temos para com a nossa família. Porque, de certa forma, somos irmãs.

Esticámos a hora de almoço, de handicam em punho, e fomos mostrar-te a vida que não podes ver. O mar. As nuvens. A falta que nos fazes e o que fazemos por ti. Levar-te sorrisos.

Em Carcavelos, quem por ali passasse, certamente perguntar-se-ía se seria para os apanhados. 8 malucas aos pulos e berros, de mãos a abanar, a cantar as músicas mais foleiras que podem existir. De saltos altos nas rochas a fazer palhaçadas, em fila a cantar descompassadamente. E claro, esse grande ex-líbris do grupo, as graçolas com as mamas de uma ou com o rabo da outra.

Metemos tudo num dvd. Entregámo-lo ontem. Numa festa de aniversário à qual nunca imaginávamos que irias. Mas apareceste de surpresa. Foste a melhor prenda de todas e para todas. Dia 5 de Fevereiro fizémos todas anos. E foi o momento ideal para te entregar o que preparámos para ti.

Silêncio. Dei-te a mão. Alguém se aninhou aos teus pés e repousou a cabeça no teu colo. Todas ao teu redor. Unidas naquele momento só nosso. Caíram lágrimas. Mas a emoção não é motivo de vergonha. Naquele momento não havia lugar para as farsas quotidianas. Deixámos cair as máscaras, baixámos as defesas. Chorar faz bem. Ainda mais se cada lágrima representa um sentimento de amor, fraternidade, amizade.

Confesso que, por mais anos que passem, nunca me irei esquecer da tarde de ontem. Estamos juntas muitas vezes mas esta foi a mais verdadeira de todas. Esquecem-se as tricas, as merdinhas, o bom e o mau. Não se pensa. Sente-se. Fomos todas e uma só. Como palhas entrançadas num cesto. Cada uma a precisar da outra para fazer sentido.

Com o coração cheio e calmo por sabermos que estás bem. Que vais ficar ainda melhor. Que em breve voltas para nós. E que um dia, daqui a muito tempo, vamos voltar a sentar-nos numa qualquer sala de estar e voltarmos a ver o mesmo dvd e achar tudo muito piroso, muito anedótico, descabido. Voltaremos às preocupações corriqueiras do " Fogo! Estava cá um batoque!" ou "Olha a TAL tão magrinha e agora está aqui, barriguda, prestes a dar à luz!".

Que bom será chegar a esse dia.

Que bom será ver-te recuperada com essa tua força de viver mais aguçada que nunca.

Que bom é termos-te por perto e fazermos de ti um exemplo a seguir.

Percebermos que a adversidade pode tornar-nos pessoas melhores .

Como as palhas de um cesto...permaneceremos unidas para sempre!

8 comentários:

Paula disse...

Mammy, agora fizeste-me ficar com um nó na garganta e com os lágrimas nos olhos.
Também tenho alguém muito próximo nessa situação.
Vai na volta, lá anda às voltas com a quimioterapia e com aquelas coisas todas,que nos deprimem e fazem pensar que não é justo.
Mas a vida continua e muitas vezes, são essas pessoas que nos mostram através de pequenas coisas, que temos por garantidas, como a nuvem de que falas, que a vida é bela e que é só uma!
Bjs e muita força e saúde para a tua amiga!

Fractal SMOG disse...

OK, estou no meu posto de trabalho, com as lágrimas a cair dos olhos e a pensar: "que parvos: porque é que nunca nos lembrámos de fazer os mesmo ao Sr. Zé? Ao Sr. Carlos? Ao Sr. Manel?!!??"

E fica a revolta do que podíamos ter feito!!

E passa a revolta porque fico feliz que a Tsunami esteja a recuperar.
A ela, e a todas vós, votos das maiores alegrias!!! Porque no final, são todas UMA e as merdices desapareceram....

Adorei o post, Mammy!!

PS - passa no meu blog; pedi-te um favor lá, por causa do livro do meu amigo (e aproveito para te dizer que ele, também, é muito especial para todos nós: sofre de ananismo hipertrófico e, também por isso, o seu sucesso é tão importante... porque se, para nós, ele é o Nuno, para os outros que não o conhecem ele é o anãozinho....)

Anónimo disse...

Oh Meu Deus como és grande...infinita a TUA BONDADE...pois afinal neste mundo ainda existem pessoas sensíveis aos problemas dos outros...
Como este TSUNAMI sofreu em silêncio e tanta força que ela nos transmite...só quem viu de perto...quem esteve lá...mas tu...meu TSUNAMI és uma força incrível...um exemplo para os HOMENS...gostava de ter sido mais forte em alguns momentos...mas quem sou eu ao pé da tua força????...insignificante contributo para quem precisa tanto...!!!
Mas a FORÇA DE DEUS e da verdadeira AMIZADE irá de certo contribuir para que esse corpo agora um pouco diferente se transforme em algo maravilhoso...para que possam seguir em frente e alcançar os vossos objectivos...!!!
Como os adoro!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

A Mãe disse...

Agradeço as palavras mas podem escrever-lhe a ela que eu sei que ela me lê! :)

Anónimo disse...

Todos temos um dom. O teu é seres capaz de pintar sentimentos com letras...
Obrigada por teres descrito tão bem aquilo que eu não sei se um dia vou conseguir pôr no papel. Mas sei que vocês, as minhas meninas, me entendem com um simples olhar, mesmo que esse olhar seja de saudade de tudo e de todos. Até de varrer o chão e estender a roupa, acreditas?!?
O melhor de tudo é que agora já posso olhar para "amanhã", porque sei que esse dia vai existir. Já não tenho dúvidas, já não tenho medo de não voltar a acordar, de deixar os que amo e de não voltar a ver uma nuvem...
Sabes, há uns tempos pensei que ia querer esquecer tudo isto. Vi o meu eu, no futuro, menina feita mulher, que esqueceu tudo o que lhe aconteceu. Mas agora sei que não quero esquecer nada. Nem um único detalhe. Porque tudo o que eu passei ninguém me pode tirar. Mesmo as cicatrizes que vou guardar no corpo são marcas de batalha e eu venci a guerra!
Amiga, obrigada... O "remédio para os dias difíceis" não tem preço, mas para mim vale mais que ouro!
(ass:tsunami)

Anónimo disse...

Ora , andava eu à pesca , por estes mares a dentro , quando o raio do leme se avariou e vim dar aqui . Olha , desculpa o abuso , mas dei uma volta aqui pela ilha , e então não é que fiquei encantado .
Bem , vou partir (à deriva), mas deixo o convite para passares lá pelo meu "Charroco" , pode ser que gostes .

Abraços .

IandU disse...

Não consigo ficar em silêncio neste post. Também vivo o mesmo talvez não tão grave como me parece aqui descrito, mas não deixa de me ser uma lição também. Estas pessoas - corrijo - estes Heróis, que com a sua vontade de viver nos ensinam, e nos provam a simplicidade das coisas.
Desejo as maiores felicidade à "Tsunami"**

Anónimo disse...

É verdade! O dia 5 de Março de 2008 deixou de ser o dia dos meus 27 anos...Passou a ser o dia em que o nosso Tsunami veio almoçar a minha casa, connosco...O dia em que todas vimos aquele DVD maravilhoso...Foi o melhor presente de todos, foi um dia para nunca mais esquecer...Daqueles que ficam gravados na nossa memória e que a qualquer momento, seja ele bom ou nem por isso, volta aos nossos pensamentos...Nos dias bons porque aquele dia é a prova de que a vida é simplesmente fantástica...Nos dias mais difíceis porque pensar naquela hora de almoço totalmente dedicada ao nosso Tsunami transforma qualquer momento difícil num mal menor...Adoro-vos amigas!Beijos (Carlotita)