Com a ansiedade de sempre, lá fui ontem até ao Teatro Camões para assistir a mais duas criações feitas especificamente para a Companhia Nacional de Bailado... Já aqui confessei a minha paixão incondicional pela dança e é sempre com muita alegria que entro naquela sala de espectáculos.
Como sempre, não esperei nenhuma históriazinha tradicional que a dança clássica nos habituou. Entro com a expectativa de voltar a maravilhar-me com a plasticidade dos corpos, com a capacidade comunicacional que a dança contemporânea encontrou para fazer sentido. Para mim, na minha cabeça, nos sentimentos que me transmite, sempre foi clara e perceptível... Comove-me tanto como um romance à moda antiga, dançado em pontas...Ou até mais. Definitivamente mais.
Mas ontem algo estranho aconteceu. Ontem as duas coreografias mais soaram a murros no estômago. Explico: a dança também é uma representação. Mais do que um simples momento de entertenimento, os corpos transmitem mensagens, contam-se histórias com movimentos. O olhar do coreógrafo é, nesse sentido, um olhar sobre o mundo, sobre o que nos rodeia, sobre o que somos. E a verdade é que, dada a conjuntura actual, a todos os níveis, o ser humano não se afigura como um ser belo. Logo, a criação, enquanto reflexo e reflexão da realidade, também não o pode ser. Não se quisermos passar uma mensagem fiel do estado das coisas.
Ontem dei por mim a sentir um imenso incómodo. Porque vi aquilo que alguns já são, no que muitos ainda se tornarão e eu, provavelmente, não serei excepção. Poque não há espaço. A primeira coreografia pos-me a pensar nesta terrivel falta de comunicação que existe entre as pessoas. Por medo de muita coisa afastamo-nos uns dos outros. Erguemos barreiras, criamos fossos, muralhas de betão que ricocheteiam qualquer coisa que venha de fora. O toque... as pessoas cada vez mais têm medo de se tocarem. Por não gostarem da intimidade, da proximidade que uma mão noutra mão ou num ombro sugere. Há fobias, manias e gente que, apenas, sente asco no calor de outrém.
Cercamo-nos de tantas armas que, nos momentos de necessidade, não sabemos. Como tocar, o que dizer, chegar perto de alguém. As mãos tremem, regressam aos bolsos sem tocarem no outro. As palavras morrem na garganta, desfazem-se com a impulsividade ridícula de quem, após um vislumbre de fraqueza, se recolhe na violência do gesto, no olhar fechado.
Trememos como seres esquizofrenicamente emocionais que somos. Fugimos. De quê? Do quê? De quem? Eu acho que a resposta se resume à fuga da humanidade. Cada vez mais as pessoas se divorciam do lado emocional que nos distingue dos restantes animais... A razão pode produzir monstros...Sei que houve alguém que já o afirmou. E eu começo a concordar.
Refeita do choque da primeira coreografia, lá vem mais outra. Se a anterior deixava o jogo da interpretação ao critério de cada um, a mim, como viram, provocou-me coisas horríveis, a segunda era, assumidamente, uma reflexão sobre a individualidade e o grupo. Rui Horta perguntava se será mesmo possível vivermos em grupo com todas as idiossincracias que cada um tem. Não dá resposta. O meu olhar de espectadora, de quem completa o sentido da obra no escuro da plateia, lugar onde o espectáculo se efectiva, encontrou-a. E mais uma vez fiquei a sofrer.
Um grupo de pessoas, a "massa", os anónimos da vida. Todos caminhando para o mesmo lado, todos bombardeados com os deveres, as normas, as regras da vida social. Canalizados para os mesmos assuntos, como traças à volta da luz. Rebanhos de gente. E quando um se "tresmalha" e confessa que apenas quer ser músico?
A massa puxa, a massa engole, a massa aniquila. A verdade é que ninguém rema contra a maré. E se o faz...um dia também se cansa. E a segurança... quem não a quer? Seremos então livres de sermos quem somos ou queremos ser?
Bem... acho que ainda estou demasiado perturbada e a digerir o lado feio do Homem. Somos isto. Tornámo-nos isto. Todos somos culpados. Uns não querem saber, outros nem pensam, outros sofrem... E outros dizem o indizível através dos corpos que dançam esta vida tão...sem sentido.
Quem quiser que assista. Gostava muito que depois me dessem as vossas opiniões. :)
2 comentários:
http://laidita.blogspot.com/2008/10/surpresa.html
Concordo contigo, quando dizes que "Erguemos barreiras, criamos fossos, muralhas de betão que ricocheteiam qualquer coisa que venha de fora. O toque... as pessoas cada vez mais têm medo de se tocarem. Por não gostarem da intimidade, da proximidade que uma mão noutra mão ou num ombro sugere...", porque infelizmente, hoje em dia, cada um vive apenas e somente para si, para a sua vida, para a sua casa.
Quantas vezes vemos pessoas na rua, a chorar e não somos capazes de chegar ao pé delas e perguntar-lhes se estão bem?
Temos vergonha do que os outros poderão pensar.
É a nossa sociedade e só vai mudar, quando nós estivermos dispostos a mudar.
Mas para isso, é preciso reconhecermos que estamos errados.
:)
Bjs!
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